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       “Consultor é assim mesmo, quer sempre mudar tudo”, disse o presidente de uma associação gráfica após uma explanação que fiz em uma reunião de diretoria dessa entidade falando do processo de mudança pelo qual o setor está passando e onde sugeri também uma mudança de atitudes da própria entidade.

       Uma reação normal. Afinal,

poucos gostam de mudanças, de alterar rotinas ou hábitos arraigados. Nunca é simples, fácil e pouco trabalhoso. Especialmente quando se trata de organizações que envolvem várias ou muitas pessoas. Mudar o jeito de ser de uma empresa é, sem dúvida, um trabalho difícil que requer muita dedicação, persistência e atitude. E atitude é o passo um.

      Muitas vezes em palestras e aulas, quando falava de tendências e mudanças, fui perguntado por onde começar esse processo. Sempre respondi que ter a atitude de mudar é, na verdade, o pontapé inicial de uma jornada da qual, muitas vezes, não sabemos todo o caminho, mas que vai sendo descoberto ao caminhar, como diria o poeta espanhol Antonio Machado (Caminante, no hay camino, se hace camino al andar)

      Não se deve pensar, com isso, que é algo aleatório. É preciso, sim, planejamento, alguma metodologia e muita determinação. Mas, a vontade de fazer decidida pelo líder ou líderes do negócio é fundamental. Não tem jeito, esse é um processo top-down. Tem que ser de cima para baixo, tem que ter as pegadas dos donos ou gestores principais, tem que ter envolvimento deles. Ou não funciona. A cultura da empresa não vai mudar. Aliás, como bem dizia Peter Drucker, guru da administração moderna, a cultura come a estratégia no café da manhã... 

      Nesse caso, o que significa a cultura da empresa? A essência da empresa, seu jeito de ser, de como se resolvem as coisas, de como as decisões são tomadas. De como as pessoas são lideradas ou como elas se envolvem, ou não, nas decisões. Pelo que as pessoas fazem, mais até do que dizem. São regras escritas e, principalmente, as não escritas, que emanam dos líderes à organização como um todo. E não importa seu tamanho. Todas têm um jeito específico de ser. 

      Mudanças mais radicais acontecem quando a empresa é comprada ou se junta a outras para um novo negócio. Se o estabelecimento da cultura que deve ser dominante não se dá de forma adequada, a chance de fracasso é grande, gerando aumento de custos e dificuldade de implantação de programas ou ações. Já fui testemunha de empresas que, ao comprar outras e incorporá-las ao seu negócio, acabaram por fracassar e tiveram sérios problemas financeiros. Basicamente em decorrência de não conseguir estabelecer sua cultura à nova empresa. 

      Trabalhei em multinacional do setor cuja expansão se deu pela aquisição de empresas. Mais de 80 em 15 países diferentes, em um período não superior a 10 anos. Um crescimento extraordinário e rápido, como um projeto baseado em aquisições costuma ser. E que foi bem-sucedido enquanto mantinha os antigos donos no negócio, e que enfrentou enormes dificuldades quando passou a ser dona única desses negócios algum tempo depois. Na maioria dos casos a adaptação a uma nova cultura resultou em descompromisso dos colaboradores e extrema dificuldade de manter eficiência e crescimento. 

      Eu mesmo liderei, naquela empresa, um processo desses na aquisição de uma imensa planta fabril no México, com mais de 400 colaboradores. Com um cronograma absolutamente apertado em tempo – apenas 6 meses -- para a implantação de um projeto que visava atender, em solo mexicano, toda a produção local das listas telefônicas que eram, naquele momento, impressas nos Estados Unidos. 

      Uma planta que vivia de imprimir livros didáticos para o governo mexicano, e outros trabalhos eventuais, em dificuldades financeiras, com equipamentos de porte, mas que exigiam uma revisão completa. Além disso, a necessidade da incorporação de vários outros equipamentos, tecnicamente mais avançados, incluindo uma pré-impressão filmless, com recebimento de arquivos por rádio (a banda da internet era insuficiente naquele tempo). 

      Até aí era uma questão técnica. Tínhamos recursos, fornecedores e equipes especializadas para revisar e instalar novos equipamentos. Mas, e gente capacitada para operá-los? Além disso, gerencialmente, todo um time teria que ser avaliado, novos componentes teriam que ser recrutados, mesclados e treinados já dentro de uma nova cultura, de uma nova visão, de uma nova perspectiva. 

      Não vou dizer que foi um trabalho fácil, porque não foi. Nem quero ficar gastando este espaço para falar de realizações pessoais. Não é esse o sentido. Só quero ilustrar a questão da implementação de uma cultura de negócio com um caso prático. Como ser ouvido e gerar empatia? Com presença, muita comunicação e empatia. Mostrar a todos que os “gringos” -- como todos os “gringos” -- não acreditavam na gente e que, portanto, era essa a nossa oportunidade. Passado um tempo, pessoal avaliado, gerentes contratados, impressores mexicanos repatriados, vários na planta aproveitados, os trabalhos tinham que começar. 

      E aí tivemos um caso emblemático. No início dos testes a produtividade estava baixa. As rotativas estavam sendo comandadas por canadenses ou norte-americanos e os operadores mexicanos ajudando, olhando, “em treinamento”, segundo nosso pessoal técnico. 

      Quando vi os números mandei parar tudo. Chamei todos e ordenei que invertessem tudo. Que os mexicanos assumissem a operação desde aquele momento, pois eles, posteriormente, é que iriam ser os responsáveis. 

      Tivemos uma incrível curva ascendente de produtividade nos dias e semanas seguintes porque a mensagem era clara: sabíamos fazer as coisas e agora teríamos uma empresa organizada de acordo com os manuais, mas que era latina, caliente e empoderada. Tive essa certeza quando o meu gerente de recursos humanos entrou na minha sala e disse com orgulho: “señor, las cuadrillas están listas y están todos mancomunados”.  Fantástico, respondi, mas sem deixar de pensar que se essa frase fosse em português eu estaria danado: quadrilhas? mancomunados? Mas fiquei satisfeito, porque ele queira dizer que as equipes de máquinas estavam prontas e estavam todos coesos, acordados entre si. 


As mensagens são fundamentais, mas elas têm de ser autênticas e têm de ser respaldadas pelas atitudes, pelas ações dos que têm liderança na empresa. 


      O que quero ressaltar aqui é que a transmissão de cultura se dá muito através de mensagens. Com diz a Carolyn Taylor, especialista em transformação cultural nas organizações, no seu livro Walking the talk: a cultura através do exemplo (Ed. Labrador, 2022, pag. 39 – edição Kindle): “cultura é relacionada a mensagens – o gerenciamento da Cultura tem a ver com o gerenciamento de mensagens. Se pudermos identificar, e mudar, uma quantidade significativa das fontes dessas mensagens, modificaremos a cultura.... Cultura tem a ver com o que é realmente valorizado – ou seja, o que é demonstrado pelo que as pessoas fazem, e não pelo que elas dizem. Quando o ‘dizer’ e o ‘fazer’ não estão alinhados, é o ‘fazer’ que modela a cultura.” 

      Importante isso. As mensagens são fundamentais, mas elas têm de ser autênticas e têm de ser respaldadas pelas atitudes, pelas ações dos que têm liderança na empresa. 

      Por que falar sobre isso agora? Porque estamos em mais um daqueles momentos de quebras de paradigmas. Talvez o mais forte das últimas décadas em que o setor gráfico atravessa um período de transição bastante complicado. Já não bastasse o avanço do digital sobre o material impresso, a pandemia e a mudança de hábitos dos consumidores, que, mais do que nunca, são os senhores dos mercados, temos que achar nosso espaço e adequar nossas empresas. Não só tecnologicamente, mas animicamente. Ter equipes engajadas e compenetradas na visão e nos sonhos de quem as constrói. 

      Segmentos do nosso mercado foram seriamente afetados, outros, ao contrário, se beneficiam desses novos tempos, como o de rótulos e embalagens, mas com solicitações e exigências cada vez maiores relativas a sustentabilidade, tempo de produção, atendimento, desenvolvimento de produtos, personalização e outros. 

      Além disso há toda uma transformação fabril e ferramentas de gestão e de comunicação que avançam rapidamente em todos os lados. A tão ultimamente falada Inteligência Artificial, por exemplo, segundo pesquisa recente divulgada pela IBM, com dados de 2022, mostra que 41% das empresas no Brasil já implementaram ativamente a IA em alguns setores, sendo que na América Latina ela vem sendo usada principalmente para detecção de segurança, no atendimento a clientes, marketing e vendas. 


A decisão de que se continuarmos a fazer o que sempre fizemos, não será o suficiente para nos mantermos no negócio. O tempo atual exige adequações, movimentos e, em muitos casos, a estratégia da mudança da cultura organizacional. 


      Esses números não se referem especificamente ao setor gráfico, mas sua utilização já é ampla nos novos equipamentos de impressão, sejam offset ou digitais, assim como em fluxos de trabalho que aperfeiçoam os projetos recebidos e, em muitos casos, engolem a pré-impressão, como já escrevemos aqui anteriormente. 

      Sei que essa ainda não é a realidade da maioria das empresas gráficas, mas a tendência é inevitável e, mais cedo ou mais tarde, todos serão atingidos de alguma maneira por toda essa onda de automação, de digitalização de processos e busca de eficiência operacional. Ou a sobrevivência estará comprometida. 

      E aqui entra o cerne desse artigo. Para adequar a empresa a novos segmentos de mercado, para repensar a forma como captamos e nos mantemos nos clientes hoje, para diminuir custos administrativos e agilizar processos, para a melhoria de produtividade, e muitas coisas mais, precisamos nos repensar. Independente do nosso porte. E isso exige o passo um que escrevi antes: a atitude de fazer. A decisão de que se continuarmos a fazer o que sempre fizemos, não será o suficiente para nos mantermos no negócio. O tempo atual exige adequações, movimentos e, em muitos casos, a estratégia da mudança da cultura organizacional. 

      Ter só a atitude, claro, não é suficiente. É necessário se informar, entender o que está se passando, buscar referências em artigos, conversar – e muito -- com clientes e fornecedores, participar de eventos, debates e trocas de ideias. É preciso conversar internamente. É preciso se questionar e questionar os que participam e os que participarão dessa jornada. Mudar a forma de ser, é uma jornada. Que se descobre ao caminhar. 

É hora, portanto, de mudar a cabeça e, com isso, a cultura e o próprio negócio da empresa, se for o caso. 

Já pensou nisso?

(publicado na revista Abigraf 317 - set. 2023)

 

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